Recebi a seguinte pergunta, que representa dúvida muito recorrente, sobre a qual passo a discorrer.
"Sou eng. agrônomo, recém formado e estou na duvida se faço minha Pós Graduação ou se estudo para concurso. Ou, ainda, se dá para conciliar. apesar de que uma parte do programa da pós vou aproveitar para o concurso que vou passar a médio ou longo prazo. Fazer o que primeiro?"
Primeiro, é preciso se perguntar se você quer, ou precisa, fazer as duas coisas, ou apenas uma, e por quais razões. Consulte-se com vagar e tranquilidade, e com a maior sinceridade possível, o que você realmente quer para você, e para sua carreira, e o que você realmente precisa, para você e para sua carreira profissional.
Um dos problemas do mundo, se me permite mencionar, é que você faz a faculdade, e começam a perguntar pela pós. Aí, você faz a pós e perguntam sobre quando vai fazer o mestrado. Então, feito o mestrado, vem a pergunta: "E o doutorado, quando vai ser?". E após o doutorado, então, tem o pós-doutorado. Ufa! Isso não acaba nunca! Então, vamos começar dizendo: se a pessoa quer, gosta, deseja isso, ótimo. Se escolheu uma vertente do magistério que demanda essa sequência, ótimo. Que faça tudo. Mas não me parece positiva a cobrança para que todo mundo faça tudo isso. Logo após concluir meu mestrado, optei por trocar as 500 horas que gastaria em um doutorado por 500 horas me preparando para a maratona, para correr 42 km. Esse era um desafio totalmente fora da minha linha natural de desenvolvimento intelectual e, também por isso, optei pelo asfalto em lugar da academia. Não que não seja ótimo fazer um doutorado: foi apenas uma escolha feita por quem tem limitações de tempo. A experiência foi fantástica, gerando um livro de 750 páginas ("Eu, meu joelho direito e os 42 Km à frente", que ainda não publiquei) e um resumo ("A maratona da vida - um manual de superação pessoal", com 248 páginas, que já está indo para a 4ª edição e que já vendeu 20.000 exemplares). Este livro me deu várias alegrias, entre elas a de contar com Prefácio de Augusto Cury, um elogio do Bernardinho, ambos homens que admiro, e muitas cartas de leitores contando que mudaram de vida, emagreceram, melhoraram o humor, viraram corredores etc.
Apesar de tudo isso, continuam me perguntando sobre quando vou fazer meu doutorado. Alguns perguntam quase resvalando para a crítica, como se fosse um crime eu não já ter cumprido a próxima etapa. Infelizmente, a sociedade, em especial a academia, não reconhece meu "doutorado em corrida e superação pessoal". Aff, escolhas.
Confesso que desejo fazer o doutorado tradicional, mas não sei se terei tempo. O ambiente da academia é fantástico. Existem alguns professores geniais, que fazem você pensar, ou pensar diferente, ou duvidar de tudo. Professores, e cito aqui apenas três (não por falta de quem citar, mas por questão de espaço): Francisco Mauro Dias, Leonardo Greco e Helena Theodoro cujo contato e convivência, tanto quanto as aulas, fazem você evoluir décadas em um ou dois semestres. Há um espaço extraordinário de saber e aprendizado na pós, é claro.
Mas a academia tem seus problemas: alguma arrogância, ou muita; alguma, ou muita, atividade voltada para si mesma e não para a sociedade e para corrigir os males do mundo; um certo desprezo por outras formas de saber e de exercício da vida. E alguma lentidão. Pensei em fazer o doutorado (concluí o mestrado em 1996) usando meu trabalho sobre "otimização do estudo", o nome técnico daquilo que veio a se transformar no livro "Como Passar em Provas e Concursos". A ideia era colocar as ideias, criar grupos de estudo, fazer laboratório, testes, aplicar as técnicas em um grupo e comparar com outro no qual nada de diferente se fizesse etc. Acho que daria uma boa tese. Mas isso tomaria uns dois anos e eu queria lançar logo o livro. Creio que as ideias flutuam no ar e queria dar inicio a este tema de forma pública e tão aberta quanto possível. Foi outra vez que desperdicei um doutorado. Uma com a criação dessa nova matéria, "como passar", outra com a escolha pela maratona, na qual gastei muito mais tempo e esforço do que gastaria no doutorado.
Um registro do passado, agora. Antes de haver a pressão do MEC e do mercado para que os professores e alguns ofícios fizessem mestrado e doutorado, era muito raro encontrar um bom professor com tais títulos. Naquela época (sim, já sou um velho, usei fitas cassete, disquetes de 3 ½ polegadas) os bons professores não tinham tempo para fazer pós. Isso mudou, o mercado mudou. Naquele tempo, ter um mestrado ou doutorado era, com honrosas exceções, uma indicação de que a pessoa não era boa dando aula! Mas, volto a dizer, isso mudou. Hoje não existe mais esse "corte": existem ótimos professores, ótimos pesquisadores, com e sem mestrado e doutorado. Fica aqui apenas um registro histórico de um fenômeno que já foi quase uma regra. De qualquer forma, ainda resta uma excessiva cobrança por títulos, e uma excessiva ligação das pessoas à cargos, títulos, anéis, letras depois ou antes do nome ("Dr". , "Phd"). Letras que possuem grande valor, mas não são garantia de que a pessoa é boa gente, nem de honestidade e nem mesmo, pasmem, de competência.
Estou divagando, contudo. Preciso responder à pergunta. Apenas divago por aproveitar o ensejo para uma conversa entre amigos, que é algo que ser escritor tem me permitido, ainda mais depois que passei a me valer das colunas, site, artigos, Orkut, Twitter etc. para confraternizar, ainda que a distância, com os leitores.
O resumo até aqui é que quanto à pós-graduação, indague-se se você quer ou precisa. Ou quer porque isso ressoa em seu coração, ou precisa para crescer pessoal, profissional ou financeiramente. É uma boa pergunta.
Aqui entra um grande equívoco das pessoas: achar que só devemos fazer o que gostamos ou que isso é o único meio para ser feliz. Já escrevi recentemente sobre esse assunto: fazer o que se gosta. Nem sempre esse ideal romântico pode ser atendido. Seja para a pós, seja para o concurso, nem sempre podemos fazer apenas o que queremos ou gostamos. Mais sobre isso, veja o outro artigo. Vamos agora falar um pouco sobre o concurso.
Perdoe-me por repetir um conceito básico, mas vem ao caso: O concurso às vezes é o sonho da pessoa, às vezes é a porta para o sonho. Alguém que queira ser, v.g., Delegado de Polícia, tem que fazer concurso. É o sonho. Por outro lado, para alguém que queira apenas ter sustento para si ou para os filhos, ou mais tempo para viajar, o concurso é a porta para o sonho. Neste segundo caso, meu único pedido é que esta pessoa cumpra bem os deveres do cargo, para merecer o que ganha e ir curtir o que deseja. Ainda no segundo caso, existem as pessoas que "usam" como financiamento para outro sonho que, quando concretizado, gera o pedido de exoneração, e aqueles que passam o resto da vida "acumulando" o as duas atividades. Mais uma vez, é uma escolha pessoal cujo único validador moral é que haja o cumprimento dos deveres do cargo, qualquer que seja a hipótese.
Se você quer fazer, faça. Os dois, ou apenas um, e escolha a melhor ordem, a que for a mais conveniente.
Se você precisa fazer um dos dois, então é preciso conversar sobre o assunto.
Uma pós-graduação tem um tipo de ritmo, cobrança, matérias e profundidade diferente do que é cobrado nos concursos. As matérias são mais focadas, me geral em menor número e estudadas com maior profundidade. A verificação do aprendizado também é feita de forma diferente, com boa parte das avaliações sendo feitas através de textos nos quais existe um prazo maior e a possibilidade de consulta. Já nos concursos temos um número maior de matérias, avaliação por questões formuladas de uma forma bem diferente e provas sem consulta. Por causa dessas diferenças, entendo que fazer a pós-graduação "compete" com a preparação mais adequada para concursos.
Não creio que alguém que tenha que trabalhar para se sustentar ou à família tenha/ vá conseguir ter tempo e dinheiro para cuidar da saúde, família, lazer, do trabalho em si, e ainda fazer os dois, concurso e pós. Quem puder não trabalhar até poderia fazer os dois, mas não sei se vale a pena.
Quem faz um concurso quer um cargo, quem faz uma pós deseja ou um título, que dará currículo e algumas oportunidades no mercado de trabalho, ou um conhecimento específico em determinada área. Claro que se é uma pós, por exemplo, em processo civil, isso irá ajudar em concursos onde esta matéria seja cobrada, mas o tempo que se gastará para ir tão fundo nessa disciplina sacrificará horas preciosas para outras matérias do concurso. Assim, para efeito de passar em um concurso (e apenas para isso), o tempo extra que você vai gastar em processo civil vai prejudicar outras matérias que não necessariamente você precisará saber tanto de processo civil para ser aprovado. Por isso, é preciso saber o que realmente se quer ou precisa, e em que ordem.
A pós-graduação, aliás, tem uma grande graça: ele é menos estressante que o concurso público. Em compensação, o sucesso no concurso faz a pessoa ter acesso imediato a um grande conjunto de vantagens: estabilidade, boa remuneração, maior quantidade de tempo disponível etc. Raramente a pós-graduação, por si só, garante alguma vantagem. Salvo os casos em que dá um aumento imediato de remuneração (num plano de cargos e salários, por exemplo), a regra é que a pós habilite a pessoa a desempenhar melhor suas funções, ou seja, ela não cumpre toda sua missão de imediato, ela é muito mais um instrumento, uma passagem, uma preparação. O concurso não, ele dá um resultado imediato quando a aprovação acontece.
Creio que parte do problema está na pressão que a sociedade faz para sermos heróis, super-homens, capazes de fazer tudo ao mesmo tempo, tudo o mais rápido possível, tema sobre o qual já falei um pouco ali em cima.
Se você precisa de dinheiro, segurança ou tranquilidade, indago sobre quanto tempo vai gastar, e quanto mais vai ganhar, fazendo a pós-graduação. Há casos em que uma pós gera, 20, 30, 40% de aumento na remuneração então, pode valer a pena garantir esse ganho e depois pensar no concurso.
Por outro lado, em geral o concurso permite, quando da aprovação, aumentos salariais muito significativos, Às vezes, ele dobra, triplica, quintuplica o que a pessoa ganha. Não bastasse isso, o sistema de trabalho no serviço público, onde em geral se respeita a carga horária prevista e onde existe de fato férias, feriados etc., permite uma melhor qualidade de vida e tempo livre para outras atividades. Nesse caso, o concurso pode viabilizar a realização da pós-graduação depois, de forma muito mais serena e confortável.
Em alguns casos, após a posse, é possível conseguir licenças com vencimento para estudo! Isso acontece muito nas universidades e também em vários outros cargos. Não é raro ver algum servidor público com licença remunerada ir fazer um mestrado ou doutorado no exterior.
Uma dica que pode ser útil: atualmente existem alguns cursos preparatórios que estão aglutinando a pós-graduação com a preparação para concursos. Vale a pena procurar. É um misto: a pessoa se prepara para concursos e sai com o título. Como em todos os casos, é preciso ver a qualidade do curso. E uma observação: quem passa, ou se prepara o suficiente para passar, em um concurso de auditor, por exemplo, é alguém muito necessário na iniciativa privada. Não necessariamente você passará a vida inteira num espaço ou noutro, ou seja, na iniciativa privada e no serviço público, e existem vários modos de conviver com os dois. Eu comecei minha vida no serviço público, mas fui aos poucos, mercê da experiência, do "certificado de qualidade" que é ser um servidor público de elite, do empreendedorismo etc., aprendendo a conviver com a iniciativa privada. Hoje acabo circulando nos dois meios.
A escolha deve ser sua. A mim, como colega, como professor, não cabe decidir. A decisão é sua. Sempre sua e não deve ser compartilhada com ninguém. Claro, consultar Deus, o cônjuge, a família, algum colega mais antigo, um professor, tudo isso tem seu valor e lugar, mas no final, a decisão precisa ser pessoal.
Se você não tem pressões externas, faça apenas o que deseja, e se for ambos, faça-os na ordem que preferir.
Se houver uma pressão financeira, a tendência é que o concurso seja mais capaz de proporcionar renda e tempo com maior segurança. Embora a aprovação na pós seja menos complicada que no concurso, o resultado dela, em termos de remuneração e tempo livre, é bem menos garantida. O concurso pode vir a demandar mais tempo de preparação e aparentemente tem mais "incerteza", mas quando se tem sucesso o resultado é muito mais palpável e imediato. Passar no concurso tende mais a possibilitar fazer uma pós que o contrário. Com a remuneração, tempo e vantagens do serviço público, a pós fica mais viável para a maior parte das pessoas. Nesse sentido, vale lembrar quantos são os que fazem concursos de nível médio para poder depois, com tempo e dinheiro, fazer sua faculdade. Às vezes a faculdade vai gerar o esforço por um novo concurso, de nível superior... ou não. Às vezes a pessoa vai fazer a faculdade de seus sonhos, apenas (como se "apenas", aqui fosse pouco! Usei o termo, mas na verdade a pessoa que descobre o que realmente deseja e consegue caminhos para concretizar isso é um dos mais refinados exemplos de sucesso, mesmo que isso não seja percebido pela sociedade).
Contando casos. Conheci um promotor que era ótimo como promotor, era o que amava, e foi ser juiz por que, na época, os juízes ganhavam mais 20% que o ministério público. Era um juiz infeliz. E, hoje, veja, o ministério público está ganhando igual, quando não ganha mais que a magistratura. Doutra sorte, conheço um colega que passou para o concurso do Ministério Público, tomou posse, e continuou fazendo concurso... para Defensor Público, seu sonho. Passou, saiu do MP e foi ganhar menos e ter menos garantias... para poder seguir seu coração. Um homem extraordinário, uma escolha sapientíssima. Da mesma sorte, minha Diretora de Secretaria na Justiça Federal, certa feita, me comunicou que estava muito feliz servindo ao público onde estava, que a remuneração era bem razoável... e que não iria fazer mais outros concursos. Ela, que tinha, e ainda tem, todas as condições para ser juíza ou procuradora, escolheu um lugar para servir. Eu mesmo algumas vezes me pergunto se escolhi bem, e digo o motivo. O tempo que a magistratura me demanda é tão maior do que o tempo que outros cargos socialmente "menores" tomaria, que talvez eu tivesse uma qualidade de vida maior em outro cargo.
Escrevi muito, e divaguei, pelo que peço minhas desculpas. O fato é que não existe uma estratégia única. Conheço quem primeiro fez a pós, e só depois foi fazer o concurso. Mas é a exceção. Em geral, para resolver a questão profissional e financeira, o concurso é a via mais prática, seguindo-se da pós, em situação melhor. Não creio que o estudo para a pós-graduação seja, por sua natureza, favorável para o concurso público. Digo isso pensando na relação "custo x beneficio" e na questão de foco do estudo.
As duas opções não são excludentes e ambas são excelentes. É excelente estudar, especializar-se, aprender coisas novas. E é excelente escolher a carreira pública, servir ao próximo e ser remunerado pelo Estado para fazer isso, quer isso seja o sonho em si, quer isso seja o instrumento para outros prazeres além do, já soberbo, prazer em servir ao próximo.
O PCI Concursos em parceria com o site www.williamdouglas.com.br,disponibiliza aqui, vários artigos, textos e dicas de William Douglas sobre "Como Passar" em concursos públicos: