Acompanho pela imprensa os pedidos de Mauro A.C. Moreira e sua família para que o Presidente Lula se envolva no deferimento de seu pedido de clemência, a ser apreciado pelo governo indonésio. Marco, nascido em família da classe média alta do Rio de Janeiro, já fez curso de Chef na Suíça e morou dez anos em Baili. Em 2/08/2003, ele desembarcou em Jacarta com 13,4 kg de cocaína escondidos em sua asa delta. Foi preso, julgado e condenado à morte. O Embaixador brasileiro em Jacarta afirma que o Brasil está buscando uma "solução harmoniosa" e que "Para o Brasil, o fato de dois jovens estarem presos e condenados à morte (...) cala fundo, pelo peso e severidade das penas, fato sem paralelo na Justiça brasileira. Já na Indonésia, o combate ao tráfico é prioridade política, cultural, social e, sobretudo, religiosa, ante seus efeitos nefastos" (Fonte: FSP, 17.1.2010, p. C1).
Primeiro, é natural que o condenado e a família tentem todos os recursos, e não se pode ser insensível à dor da mãe do condenado, uma senhora de 70 anos de idade. Mas, feito o registro, é preciso analisar a questão com isenção. A "solução harmoniosa" que o Brasil pretende é que um país soberano não aplique sua legislação aos crimes praticados em seu território? Se a legislação do Brasil não é tão severa, não deveria ter Marco se prestado a traficar apenas por aqui, onde o combate ao tráfico não é tão veemente?
Não podemos esquecer o caso concreto. Por que os traficantes aqui devem ser punidos e os de lá não? Por que se reclama tanto da ineficiência da nossa Polícia e Judiciário e se quer que lá, na Indonésia, essa eficiência ceda ao argumento de que o condenado é brasileiro? Ser brasileiro autoriza tratamento diferenciado, ou diminui a gravidade do fato? Então, se tivesse sido bem sucedido em sua empreitada criminosa o mal causado seria menor?
Na reportagem citada, Marco afirma que achou que "ia ser tranquilo". Assume que errou, dá uma "boa" desculpa (precisava de dinheiro para pagar uma dívida), diz que está arrependido e que "a pena já está mais do que bem paga. No Brasil, pena por tráfico é por cinco anos [5 a 15 anos]. Aqui é pena de morte". Estranho que tenha escolhido traficar na Indonésia, mas prefira as penas aplicadas em nosso país. Segundo ele, "o Lula tem como dar um jeito nessa história aí". A solução de Marco é que deportem todos, não os deixem mais entrar na Indonésia e pronto. Sim, Marco tem solução para tudo, para suas dívidas, para escolher sua pena, para como deve agir o governo brasileiro, para a política criminal da Indonésia. Meu único receio é que, mercê de ser de classe média, nosso concidadão e, agora que preso, tenha a pose de "coitadinho", receba tratamento condescendente que a população não aceita para os nossos traficantes daqui.
Não faz sentido se querer que haja combate aos traficantes por aqui e tolerância maior por lá. Uma coisa é dar assistência a um brasileiro preso no exterior, outra é se promover uma campanha para que a lei e o julgamento não sejam aplicados. Ou quer o nosso Governo que a nossa ineficiência no combate aos traficantes "ampare" a todos os brasileiros?
Lamento pela história triste do Marco e por ter ele desperdiçado suas oportunidades e tomado decisões erradas. Mas também lamento pelas pessoas que são escravizadas pelo vício e pela existência, aqui e lá, de todo um sistema de crime organizado onde ele adentrou voluntariamente como agente e para ter os benefícios do crime. Gostaria que nosso governo fosse eficiente contra os traficantes aqui como a Indonésia anda sendo. Não concordo que nosso Governo, e muito menos nosso Presidente (que fala em nome da nação), deva assumir o pedido de impunidade apenas por que tráfico de cocaína no país dos outros possa parecer menos grave do que aqui.
Bem faz a Indonésia, em punir com rigor o tráfico. Não estou discutindo se a pena de morte é uma boa medida ou não, mas apenas que Marco sabia muito bem o que estava fazendo, e um governo não deveria se mover para que as leis de outro não sejam aplicadas.
William Douglas - Juiz federal/RJ, professor, ex-delegado de polícia, ex-defensor público.
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